sábado, 26 de fevereiro de 2011

Curiosidades

            Ao longo dos séculos, a figura de Luís de Camões tem vindo a servir de inspiração a outros autores, e tem vindo a ser utilizada em selos, moedas, notas, bem como feitas inúmeras pinturas e esculturas da sua imagem.

Retrato de Luís de Camões na prisão de Goa, em 1556

Retrato de Luís de Camões

Selo português comemorando os 400 anos do nascimento de Luís de Camões, onde se mostra o poeta salvando "Os Lusíadas" no naufrágio

Selo português de 1924 comemorando os 400 anos do nascimento de Luís de Camões, onde se mostra um retrato do poeta

Cédula de 1000 escudos de Angola, com o retrato de Luís de Camões

Moeda de 1000$00 em prata do IV centenário da morte de Luís de Camões

Moeda de 25 cêntimos com a figura de Luís de Camões

Estátua de Luís de Camões

A obra de Luís de Camões - Algumas estrofes de "Os Lusíadas"

Primeira estrofe do Canto I

“As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram”


Segunda estrofe do Canto I

“E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”


Última estrofe do Canto X

“Ou fazendo que, mais que a de Medusa, 
A vista vossa tema o monte Atlante, 
Ou rompendo nos campos de Ampelusa 
Os muros de Marrocos e Trudante, 
A minha já estimada e leda Musa 
Fico que em todo o mundo de vós cante, 
De sorte que Alexandro em vós se veja, 
Sem à dita de Aquiles ter enveja.”

A obra de Luís de Camões - “Os Lusíadas”

            Os Lusíadas” é considerada a epopeia portuguesa por excelência. O título sugere intenções nacionalistas, e é derivado da antiga denominação romana de Portugal, Lusitânia. É um dos mais importantes épicos da época moderna devido à sua grandeza e universalidade. A epopeia narra a história de Vasco da Gama e dos heróis portugueses que navegaram em torno do Cabo da Boa Esperança e abriram uma nova rota para a Índia. É uma epopeia humanista, de contradições, nas associações da mitologia pagã à visão cristã, nos sentimentos opostos sobre a guerra e o império, no gosto do repouso e no desejo de aventura, na apreciação do prazer sensual e nas exigências de uma vida ética, na percepção da grandeza e no pressentimento do declínio, no heroísmo pago com o sofrimento e luta.
Imagem anónima de 1880,
onde Tétis preside ao banquete das ninfas
e dos portugueses na Ilha dos Amores
            Os dez cantos do poema somam 1102 estrofes, num total de 8816 versos decassílabos, empregando a oitava rima. Depois de uma introdução, uma invocação e uma dedicatória ao rei Dom Sebastião, inicia a acção, que funde mitos e factos históricos. Vasco da Gama, navegando pela costa da África, é observado pela assembleia dos deuses clássicos, que discutem o destino da expedição, a qual é protegida por Vénus e atacada por Baco. Descansando por alguns dias em Melinde, a pedido do rei local Vasco da Gama narra toda a história portuguesa, desde as suas origens até à viagem que empreendem. Os cantos III, IV e V contêm algumas das melhores passagens de todo o épico: o episódio de Inês de Castro, que se torna um símbolo de amor e morte, a Batalha de Aljubarrota, a visão de Dom Manuel I, a história do gigante Adamastor. De volta ao navio, Baco convoca os deuses marítimos para que destruam a frota portuguesa. Vénus intervém e os navios conseguem alcançar Calecute, na Índia. Na viagem de volta os marinheiros desfrutam da Ilha dos Amores, uma ilha para eles criada por Vénus, recompensando-os as ninfas com seus favores. Uma delas canta o futuro glorioso de Portugal e a cena encerra com uma descrição do universo feita por Tétis e Vasco da Gama. Em seguida, a viagem prossegue para casa.
            Em Os Lusíadas” Camões atinge uma notável harmonia entre erudição clássica e experiência prática, desenvolvida com habilidade técnica, descrevendo as peripécias portuguesas com momentos de grave ponderação e outros de delicada sensibilidade. As grandes descrições das batalhas, da manifestação das forças naturais, dos encontros sensuais, transcendem o clássico e apresentam um discurso fluente e sempre de alto nível estético. Trata-se de um discurso com carácter narrativo bem conseguido, com domínio de todos os recursos da língua e da arte da rima, e com uma ampla gama de estilos.
Capa de "Os Lusíadas", de Luís de Camões

A obra de Luís de Camões - “El-Rei Seleuco”, “Filodemo” e “Anfitriões”

            O conteúdo geral das obras de Camões para o palco combina o nacionalismo e a inspiração clássica. A sua produção neste campo resume-se em três obras, todas no género da comédia e no formato de auto: “El-Rei Seleuco”, “Filodemo” e “Anfitriões”. Contudo, a atribuição do “El-Rei Seleuco” a Camões, porém, é controversa. A peça diverge em vários aspectos das outras duas que sobreviveram, tais como na sua extensão, bem mais curta, na existência de um prólogo em prosa, e no tratamento menos profundo e menos erudito do tema amoroso.
            “Anfitriões”, publicado em 1587, é uma adaptação do “Amphitryon” de Plauto, onde acentua o carácter cómico do mito de Anfitrião, destacando a omnipotência do amor, que subjuga até os imortais, também seguindo a tradição vicentina. A peça foi escrita em redondilhas menores e faz uso do bilinguismo, empregando o castelhano nas falas do personagem Sósia, um escravo, para assinalar o seu baixo nível social em passagens que chegam ao grotesco, um recurso que aparece nas outras peças também.
            O “Filodemo”, composto na Índia e dedicado ao vice-rei Dom Francisco Barreto, é uma comédia de moralidade em cinco actos, de acordo com a divisão clássica, sendo das três a que se manteve mais viva no interesse da crítica pelas muitas experiências humanas e psicológicas que descreve. O tema fala dos amores de um criado, Filodemo, pela filha, Dionisa, do fidalgo em casa de quem serve, com traços autobiográficos. Camões via a comédia como um género secundário, de interesse apenas como um divertimento de circunstância, mas conseguiu resultados significativos transferindo a comicidade dos personagens para a acção e refinando a trama, pelo que apontou um caminho para a renovação da comédia portuguesa. Entretanto, a sua sugestão não foi seguida pelos cultivadores do género que o sucederam.
Capa da edição de 1615 do "Filodemo"

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A obra de Luís de Camões - A poesia


Busque o Amor novas artes, novo engenho
“Busque o Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei por quê.”


Transforma-se o amador na cousa amada

“Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.” 

Duro e Fero Amor

“Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar e sangue humano.”

A obra de Luís de Camões - A poesia

Amor é fogo que arde sem se ver
“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

O fogo que na branda cera ardia

“O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama, que se atreve
Apagar seus ardores e tormentos
Na vista do que o mundo tremer deve!
Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela nave
Que queima corações e pensamentos.”

A obra de Luís de Camões - "Rimas"


Capa da primeira edição das "Rimas", de 1595
             A obra lírica de Camões, dispersa em manuscritos, foi reunida e publicada postumamente em 1595 com o título de “Rimas”. Ao longo do século XVII, o crescente prestígio do seu épico contribuiu para elevar ainda mais o apreço por estas outras poesias. A sua poesia lírica procede de várias fontes distintas: os sonetos seguem em geral o estilo italiano derivado de Petrarca, as canções tomaram o modelo de Petrarca e de Pietro Bembo. Nas odes verifica-se a influência da poesia trovadoresca de cavalaria e da poesia clássica, mas com um estilo mais refinado; nas sextilhas aparece clara a influência provençal; nas redondilhas expandiu a forma, aprofundou o lirismo e introduziu uma temática, trabalhada em antíteses e paradoxos, desconhecida na antiga tradição das cantigas de amigo, e as elegias são bastante classicistas. As suas estâncias seguem um estilo epistolar, com temas moralizantes.
Página da edição de 1616 das "Rimas", com o início do poema "Cabellos d'ouro"

A vida de Luís de Camões - O seu desterro


Túmulo de Luís de Camões, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa

            O seu desterro foi feito a expensas de uma instituição de beneficência, a Companhia dos Cortesãos. Um fidalgo letrado seu amigo mandou inscrever-lhe na campa rasa um epitáfio significativo: “Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu.”

           Se a escassez de documentos e os registos autobiográficos da sua obra ajudaram a construir uma imagem lendária de poeta miserável, exilado e infeliz no amor, que foi exaltada pelos românticos, uma outra faceta ressalta da sua vida. Camões terá sido de facto um homem determinado, humanista, pensador, viajado, aventureiro, experiente, que se deslumbrou com a descoberta de novos mundos e de outro ser civilizacional. A 10 de Junho, comemora-se o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.

A vida de Luís de Camões - Os seus últimos anos

Retrato de Luís de Camões
            Os últimos anos de Camões foram amargurados pela doença e pela miséria. Reza a tradição que se não morreu de fome foi devido à solicitude de um escravo, chamado Jau, trazido da Índia, que ia de noite, sem o poeta saber, mendigar de porta em porta o pão do dia seguinte. O certo é que, Camões, tal como viveu, morreu: pobre e só, no dia 10 de Junho de 1580, mas o seu nome viveu para além da morte. Ele também pertence “àqueles que por obras valorosas se vão da lei da Morte libertando.”
            O destino das obras de Camões foi mais feliz do que o do seu autor. “Os Lusíadas” está traduzido em muitas línguas, tendo um lugar de relevo na literatura universal. Gerações de poetas têm sido influenciadas pelo seu estilo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A vida de Luís de Camões - De novo em Portugal

           Em 1569, após 16 anos de desterro, regressou a Lisboa, tendo os seus amigos pago as dívidas e comprado o passaporte. Só três anos mais tarde conseguiu obter a primeira edição de “Os Lusíadas”, que lhe valeu D. Sebastião, a quem era dedicado, uma tença anual de 15000 réis pelo prazo de três anos e renovado pela última vez em 1582 a favor da sua mãe, que lhe sobreviveu.

Estátua de Luís de Camões


A vida de Luís de Camões - O regresso a Goa

            De regresso a Goa, o navio em que Luís de Camões viajava sofreu um naufrágio na foz do rio Mecom, na costa do Camboja. Camões salvou-se, nadando só com um braço e com o outro erguendo por cima das ondas, o precioso manuscrito da imortal epopeia – facto documentado no canto X, 128:
“Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.”
            Nesse naufrágio viu morrer a sua Dinamene, uma rapariga chinesa que se lhe tinha afeiçoado. Então, em sua honra, Camões escreveu um dos seus sonetos mais bonitos, cuja primeira quadra é:
 “Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo desta vida descontente
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.”
            Em Goa sofreu caluniosas acusações, dolorosas perseguições e duros trabalhos, vindo Diogo do Couto a encontrá-lo em Moçambique, em 1568, “tão pobre que comia de amigos”, trabalhando “Os Lusíadas” e o seu “Parnaso” – livro de muita erudição, doutrina e filosofia, segundo o autor.

A vida de Luís de Camões - A sua vida em Macau

            Tomou parte em várias expedições militares e, numa delas, no Cabo Guardafui, escreveu uma das suas mais belas canções: “Junto dum seco, fero e estéril monte”. Viajou de seguida para Macau, onde exerceu o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes, e escreveu, numa gruta à beira-mar, hoje reconhecida pelo seu nome, mais seis cantos do famoso poema épico.

Retrato de Luís de Camões


A vida de Luís de Camões - A sua vida na Índia

            Luís de Camões viajou na nau de São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, que largou do Tejo em 24 de Março de 1553. Durante a viagem passou pelas regiões onde Vasco da Gama navegara, enfrentou uma tempestade no Cabo da Boa Esperança onde se perderam as três outras naus da frota, e aportou em Goa em 1554. Esta cidade decepcionou-o, como se pode ler no soneto "Cá nesta Babilónia donde mana". Alistou-se no serviço do vice-rei D. Afonso de Noronha e combateu numa expedição contra o rei de Chembé.
            Aqui numa ocasião convidou cinco nobres portugueses para um banquete em sua casa. Eles ficaram surpreendidos quando encontraram os pratos cheios de folhas de manuscritos de poesias, em vez das iguarias que esperavam. Desta maneira, Camões mostrou aos seus compatriotas enriquecidos na Ásia, até que ponto estava pobre.
            Em 1555, sucedendo a Noronha, D. Pedro Mascarenhas ordenou a Manuel de Vasconcelos que fosse combater os mouros no Mar Vermelho. Camões acompanhou-o, mas a esquadra não encontrou o inimigo e foi invernar a Ormuz, no Golfo Pérsico.
            Ao retornar a Goa em 1556, encontrou no governo D. Francisco Barreto, para quem compôs o "Auto de Filodemo", o que sugere que Barreto lhe fosse favorável. Os primeiros biógrafos contudo, divergem sobre as relações de Camões com o governante. Na mesma época teria surgido a público uma sátira anónima criticando a imoralidade e a corrupção reinantes, que foi atribuída a Camões. Sendo as sátiras condenadas pelas Ordenações Manuelinas, terá sido preso por isso. Mas colocou-se a hipótese de a prisão ter ocorrido graças a dívidas contraídas. É possível que permanecesse na prisão até 1561, ou antes disso tenha sido novamente condenado pois, assumindo o governo D. Francisco Coutinho, foi por ele libertado.

Retrato de Luís de Camões


A vida de Luís de Camões - O regresso a Lisboa

          Depois de regressar a Lisboa, em 1552, foi preso, em consequência de uma rixa com um funcionário da Cavalariça Real, e metido na cadeia do Tronco, onde ficou durante nove meses. Saiu logo no ano seguinte, inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei, conforme se lê numa carta enviada da Índia, para onde partiu nesse mesmo ano, quer para mais facilmente obter o perdão quer para se libertar da vida lisboeta, o que não o contentava. Segundo alguns autores, terá sido por essa altura que compôs o primeiro canto de “Os Lusíadas”.
Retrato de Luís de Camões